Se as eleições de 2018 fossem uma partida de futebol, a decisão anunciada pelo PT na tarde de quarta-feira seria aquilo que os comentaristas chamam de "gol espírita": de última hora, a Executiva Nacional da sigla decidiu aumentar a contrapartida de apoio eleitoral ao PSB nos Estados. Como consequência, é provável que os socialistas escolham a neutralidade na disputa presidencial, neste fim de semana. Deixarão, portanto, de apoiar o candidato Ciro Gomes (PDT), visto pela cúpula do PT como possível rival da legenda na disputa pela hegemonia da esquerda.
Se confirmado, trata-se de uma má notícia para o político cearense. Nas eleições deste ano, o PSB terá acesso a R$ 118,7 milhões do Fundo Eleitoral, montante que poderá ser usado para financiar campanhas. Em 2014, a sigla elegeu a sexta maior bancada na Câmara dos Deputados, com 34 representantes – este número será usado para calcular a fatia de cada partido no horário eleitoral.
Para efeito de comparação, o PDT de Ciro terá acesso a R$ 61 milhões do Fundo, e o tempo de TV e rádio dos trabalhistas corresponde a 19 deputados federais. Se não fechar nenhuma coligação até o dia 15 de agosto, o pedetista acabará com pouco mais de 30 segundos no horário eleitoral da TV e do rádio.
Pouco antes das 18h desta quarta-feira, a Executiva Nacional do PT publicou uma nota afirmando que o partido tinha decidido apoiar quatro candidatos a governador do PSB: o deputado estadual David Almeida (Amazonas); o senador João Capiberibe (Amapá); o engenheiro João Azevedo (Paraíba); e o atual governador de Pernambuco, Paulo Câmara, que é candidato à reeleição.
Em nota, a Executiva também reiterou o convite ao partido nanico Pros para formar uma coligação em torno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O anúncio significa um aumento da oferta da cúpula do PT ao PSB. Ao longo das últimas semanas, tudo que o PT oferecia aos socialistas era a retirada da candidata petista ao governo de Pernambuco, a vereadora recifense Marília Arraes. Em troca, o PSB deveria apoiar Lula na disputa presidencial. Agora, o mais provável é que os socialistas fiquem neutros no plano nacional.
Em troca pelo apoio petista, o PSB também concordou em retirar a candidatura do ex-prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, ao governo de Minas – agora, os socialistas devem apoiar a reeleição do atual governador, Fernando Pimentel (PT).
Em entrevista à GloboNews na noite desta quarta, Ciro Gomes, que vinha despontando em terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto (atrás de Jair Bolsonaro e Marina Silva) em um cenário sem Lula, criticou o PT e afirmou que o partido, ao insistir na candidatura de Lula e tomá-lo como adversário, está "valsando na beira do abismo".
A BBC News Brasil responde abaixo as principais perguntas sobre esta trama política.
Quais serão os próximos passos dos socialistas?
Formalmente, a posição dos socialistas será conhecida na convenção nacional do partido, marcada para este domingo em Brasília. Mas, na prática, é possível que uma decisão seja tomada já no sábado (4 de agosto), durante a reunião do Diretório Nacional do PSB.
Após o anúncio do PT, até aliados de Ciro Gomes dentro do PSB já admitem que o mais provável é que os socialistas permaneçam neutros - embora exista descontentamento. Preterido pelo partido, Márcio Lacerda disse em nota que recebeu a notícia do fim de sua candidatura ao governo de Minas com "indignação, perplexidade, revolta e desprezo".
Atual governador de Brasília e candidato à reeleição, Rodrigo Rollemberg defende o apoio do partido a Ciro Gomes, mas admite que as chances do PSB apoiar o pedetista são pequenas.
"É difícil (evitar a posição de neutralidade), porque o peso congressual dos Estados de Pernambuco e de São Paulo é muito grande. Mas vamos tentar, vamos fazer o que for possível", disse ele à BBC News Brasil.
Em Pernambuco, o partido quer apoiar Lula ou outro nome do PT. Já em São Paulo, o atual governador Márcio França é próximo a Geraldo Alckmin, pré-candidato à Presidência pelo PSDB.
"O partido poderia oferecer uma alternativa à polarização entre PT e PSDB, e essa alternativa era o Ciro", disse Rollemberg. "É de um partido próximo ao nosso, um quadro de centro-esquerda com uma história limpa e que já foi testado como governador, como prefeito. Em todas as reuniões do PSB, eu tenho defendido a candidatura do Ciro."
O deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG) disse que a pressão do PSB de Pernambuco será fundamental para uma eventual decisão – o partido tem suas raízes no Estado de Miguel Arraes (1916-2005) e Eduardo Campos (1965-2014).
"A candidatura de Marília implicaria dificuldades (para Paulo Câmara)", disse à BBC News Brasil. "Com a neutralidade, nós mantemos o que havíamos decidido, que é nos manter na centro-esquerda". O parlamentar considera "legítimo" a insistência de alguns membros do PSB no apoio a Ciro Gomes.
Por que o acordo com o PSB era tão importante para o PT?
Na verdade, o objetivo do PT era atrair o PSB para apoiar a candidatura de Lula, o que não foi possível.
Líder da bancada do PT na Câmara e integrante da Executiva Nacional petista, o deputado Paulo Pimenta (RS) disse à BBC News Brasil que a ideia era "ter o apoio do PSB à candidatura de Lula. Naturalmente, quando você entra numa negociação, você tem um objetivo. Mas não necessariamente você vai conseguir realizar de maneira plena. Isso não invalida que a maior parte do partido, as principais lideranças (do PSB) venham a apoiar a nossa candidatura (presidencial)", disse ele.
Sem a coligação formal, diz Pimenta, o tempo de TV do PSB não vai engrossar a campanha petista.
"Existia um diálogo em curso com o PC do B e o PSB, com o objetivo de formar uma aliança nacional em apoio ao Lula. Por conta disso, em alguns Estados os candidatos serão do PT. Em outros, do PSB, e em outros, do PC do B", diz Pimenta. "Não se constrói aliança sem dar a oportunidade de todos os partidos serem protagonistas."
Por outro lado, a eventual neutralidade do PSB evitará que o peso do partido acabe com Ciro Gomes - o que enfraqueceria a posição do PT dentro do conjunto da esquerda, especialmente se o pedetista conseguisse chegar ao segundo turno das eleições. Esta avaliação foi feita à BBC News Brasil por integrantes do PT, sob condição de anonimato.
A decisão da cúpula petista é unanimidade no partido de Lula?
Não. Alguns petistas discordam da linha política escolhida pela Executiva Nacional do partido.
Correntes de esquerda do PT criticaram a decisão de retirar a candidatura de Marília Arraes ao governo de Pernambuco. Membros de tendências como Esquerda Popular Socialista, Militância Socialista, Trabalho, Avante e Democracia Socialista protocolaram no Diretório Nacional da sigla um pedido de reconsideração do acordo.
O argumento é que Marília tinha grandes chances de vencer as eleições no Estado. De fato, pesquisas de intenção de voto locais apontavam que ela estava praticamente empatada com o atual governador Paulo Câmara (PSB) – e vencia em cenários de segundo turno contra o socialista.
Em entrevista na sede da CUT Pernambuco, Marília criticou a decisão do partido, dizendo que sua candidatura foi rifada por um "não apoio" do PSB. "Nossa candidatura vem da base do PT. Hoje, temos apoio massivo da sociedade de Pernambuco. Não podemos desistir da candidatura, como uma moeda troca com preço de banana."
O PT pernambucano realizará um encontro do seu Diretório Estadual nesta quinta. Marília diz ter o apoio da maioria dos integrantes - o que, entretanto, não garante que ela será candidata. Se uma reviravolta ocorrer, não será a primeira vez na história do PT que uma decisão da direção nacional é derrotada nas instâncias locais. Em 2004, a cúpula petista tentou barrar a candidatura de Luizianne Lins à prefeitura de Fortaleza (CE), mas foi derrotada. Lins foi candidata e elegeu-se prefeita.
Ex-governador do Rio Grande do Sul e figura história da sigla, Tarso Genro também se posicionou contra a Executiva petista. "Peço a Deus e às forças do além, que eu não esteja entendendo bem que foi feito um acordo PT-PSB, que descarta a candidatura da Marília Arraes, o grande quadro renovador da esquerda do Nordeste", escreveu em uma rede social.
Marília Arraes (PT), de 34 anos, é prima do ex-governador Eduardo Campos e neta de Miguel Arraes. Ela deixou o PSB por divergências com o partido em 2016. Nas redes sociais, aparece em várias fotos ao lado do ex-presidente Lula, também pernambucano, e considerado o grande cabo eleitoral do Estado. Em discursos, costuma dizer que tem o apoio do maior líder do PT.
Hoje, Marília faz oposição a Geraldo Júlio (PSB), prefeito do Recife, e a Paulo Câmara – os dois foram indicados por seu primo Eduardo.
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