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POLÍTICA --- 'Esquerda abandonou construção do poder popular', diz Luiza Erundina

 

'Esquerda abandonou construção do poder popular', diz Luiza Erundina


Deputada defende que ação de governo para organizar e mobilizar a sociedade é mais importante que alianças; veja vídeo na íntegra

CAMILA ALVARENGA

Madri (Espanha)

No programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta sexta-feira (18/03), o jornalista Breno Altman entrevistou a deputada federal paulista pelo Partido Socialismo e Liberdade Luiza Erundina. 

A ex-prefeita de São Paulo fez uma leitura sobre o distanciamento de partidos políticos, sobretudo o PT, de suas bases e ponderou sobre como conseguir governabilidade com poder popular.

“A lógica eleitoral se sobrepôs ao objetivo maior, principal, de um partido político. Embora a disputa pelo poder político seja necessária, isso deve ser feito a partir do compromisso e da ação articulada com a sociedade civil, trabalhadores e trabalhadoras. Conforme os partidos do nosso campo foram ascendendo na ocupação do poder institucional, fomos nos distanciando da presença permanente junto aos setores populares, abandonamos o poder popular, foi um descuido”, lamentou.

Erundina afirmou que faz falta retomar o componente de mobilização popular. Sua ausência, segundo ela, é a razão pela qual as conquistas de um governo se perdem no curso do governo seguinte.

“Não há democracia plena e estável sem o poder popular, relacionado aos partidos. Um partido tem que ter como principal objetivo fortalecer a organização popular. Deve se ampliar para conquistar o poder real que passa pelas mãos do povo. Governabilidade, sem ligação direta com o poder popular, fica à mercê de uma maioria parlamentar e reduz as pretensões de um partido de esquerda”, reforçou.

Ela ressaltou que o povo é a razão de ser dos partidos, que eles são as ferramentas da população para executar as transformações estruturais que as pessoas precisam. Por isso, a relação com a base deve ser próxima e permanente, “se não o partido perde sua razão de ser”.

A deputada rememorou, também, que uma legenda tem uma função maior do que somente a da disputa eleitoral e exercício do poder. Sobretudo partidos com vocação socialista, de acordo com ela, têm uma missão pedagógica e educativa de formar as gerações, “a partir da nossa visão”.

“Os jovens aderem a uma opção política, ou inclusive a partidos, quando eles têm como referência uma forma de fazer política que faz com que se encantem não só por um projeto, mas por uma opção de vida. Que faça com que eles se sintam sujeitos da história, fazendo história, não só sofrendo seus efeitos. Então dependendo de como um partido se comporta, ele pode deformar politicamente a juventude”, enfatizou.

Sobre o PT especificamente, do qual ela participou da fundação e formou parte durante 17 anos, ela lembrou com orgulho de sua construção, a partir das bases, do campo, das periferias e das fábricas: “queríamos não só mudar o Brasil, mas o mundo. Era um sonho grande, mas era a marca do partido. Aliás, por querer transformar o mundo, tínhamos que transformar o Brasil, mas acho que esse sonho foi se reduzindo quando o partido se envolveu demais na disputa pelo poder institucional”.

Governabilidade e mobilização popular

Pensando em sua própria experiência como prefeita de São Paulo, cargo que ocupou entre 1989 e 1993, a deputada refletiu sobre formas de ter governabilidade sem maioria parlamentar.

Wikimedia Commons
Erundina afirmou que faz falta retomar o componente de mobilização popular

Ela argumentou que governos de esquerda nunca terão maioria e que, portanto, é necessário entender que realizar concessões ao chamado “centrão”, “que é o que sempre vai persistir”, implica obrigatoriamente no comprometimento dos projetos progressistas.

“Quando não temos maioria, fazemos concessões éticas, e aí negamos a nossa própria origem, nossa própria existência. Se a gente for depender do poder legislativo para ter governabilidade, não vamos realizar aquilo pelo qual disputamos e ganhamos o poder”, defendeu.

Erundina, porém, reconheceu que “estar à serviço do povo” não é tarefa fácil. Durante seu tempo como prefeita, ela recordou que não conseguiu fazer todas as reformas que queria, “mas fiz o básico e consegui comprar brigas porque forcei a participação popular, a base veio comigo”. Ela destacou a tentativa de cassação do mandato que sofreu na época, e que falhou justamente porque durante quatro dias a militância protestou contra a medida às portas da Câmara Municipal. 

“Precisamos voltar a acreditar na sustentação do povo. Governei quatro anos em minoria, sem fazer concessões éticas. Até porque, depois que você faz isso uma vez, fica refém da prática. Claro que ter maioria seria mais fácil, mas é mais importante acreditar no povo para que ele acredite que você de fato governa com ele e saia em sua defesa”, sublinhou.

Por conta dessa convicção, ela disse que mudou de partido algumas vezes ao longo de sua carreira. Do PT, ela foi para o PSB, onde ficou 19 anos. De lá, chegou no PSOL, onde segue até hoje.

“O PT priorizou demais a política de alianças, fez demasiadas concessões. Quando cheguei no PSB, Miguel Arraes era presidente, não era aquela mistura que é hoje. Cheguei no PSOL porque sinto que é o partido que ainda mantém coerência”, justificou.

O que não quer dizer, contudo, que a deputada não reconheça a importância de realizar alianças. No entanto, aquelas que são excessivamente amplas “distorcem o compromisso do partido que se elege com a sua base”. 

Nesse sentido, ela lamentou a possibilidade de que Alckmin ocupe a vice-Presidência na chapa de Lula: “não sou daquelas que defende uma chapa pura, mas quando você flexibiliza demais seu projeto, fica refém de forças políticas que não têm os mesmos compromissos. É o caso agora com Alckmin na chapa de Lula. Nem eleitoralmente isso se justifica ou contribui”.

De todas formas, ela disse que trabalhará para que o ex-presidente vença as eleições e disse estar de acordo com a decisão do PSOL de apoiá-lo já no primeiro turno. A deputada também afirmou que será candidata à reeleição, “para seguir tentando fazer aquilo que estou propondo”.


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