‘Proibir financiamento empresarial nas eleições virou centro da Reforma Política’, diz Fontana
01/06/2015
Entrevista ao site Sul21
Marco Weissheimer
Na última semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sofreu duas derrotas inesperadas na votação de temas que compõem a pauta da Reforma Política. Em conversas reservadas nos corredores da Câmara, Cunha tinha como certas as vitórias nas votações do chamado “distritão” e do financiamento empresarial das campanhas eleitorais. Perdeu as duas na noite da última terça-feira (26), mas recorreu a uma manobra regimental para recolocar em votação o segundo tema no dia seguinte e conseguiu mudar o resultado do dia anterior. “Esta semana chegamos a uma situação gravíssima, onde a Constituição brasileira foi desrespeitada pelo presidente da Câmara, que promoveu um golpe”, afirma o deputado federal Henrique Fontana (PT-RS), em entrevista ao Sul21.
Um dos principais articuladores do debate sobre a Reforma Política na Câmara Federal, Henrique Fontana aponta o estilo truculento e autoritário de Eduardo Cunha como uma ameaça à democracia brasileira. “Na terça-feira à noite aqueles que, como eu, defendem que o financiamento empresarial não deve ser constitucionalizado ganharam a eleição. Após perder a votação na terça, na quarta de manhã inventou uma manobra, um verdadeiro golpe, e recolocou em votação a mesma matéria retirando apenas a palavra “candidatos” do texto da proposta, como se fosse algo diferente”, relata.
Na entrevista, Fontana fala sobre os próximos passos da Reforma Política, destacando a iniciativa de mais de 60 parlamentares que ingressaram sexta-feira com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal contra a manobra de Eduardo Cunha que levou à votação duas vezes uma mesma proposta por ter perdido na primeira votação. Para ele, no atual curso dos acontecimentos, barrar o financiamento empresarial nas campanhas eleitorais virou o tema central da Reforma Política.
“É público e notório que o interesse central do presidente da Câmara é constitucionalizar o financiamento de empresas em eleições a despeito do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade que a OAB impetrou no STF”. (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)
Sul21: A Câmara dos Deputados viveu uma semana intensa de votações envolvendo o tema da Reforma Política. Qual sua avaliação sobre o debate que foi travado sobre esse tema e sobre o resultado final das votações?
Henrique Fontana: Estamos vivendo um momento muito difícil no Parlamento brasileiro, por diversos motivos. Primeiro, pelo conservadorismo da pauta que o deputado Eduardo Cunha prioriza e, segundo, pela característica do presidente que dirige o parlamento de maneira absolutamente autoritária e impositiva. E o que pior, nesta semana que passou, aquilo que era a grande expectativa e necessidade para o país, uma reforma política efetiva, profunda e democrática, terminou enveredando pelo pior caminho. Pior caminho no sentido do conteúdo e também no da impossibilidade de mudar outras coisas em virtude da forma pela qual o presidente conduziu a votação.
Sul21: Como se deu esse processo de negociação nos bastidores e de votação?
Henrique Fontana: Eduardo Cunha conduziu a votação com mão de ferro e de modo autoritário. Em primeiro lugar, fechou a comissão que estava trabalhando há três meses para fazer a reforma política. Em segundo, levou o tema para o plenário de uma maneira a atender os interesses que ele tem nesta reforma. É público e notório que o interesse central do presidente da Câmara é constitucionalizar o financiamento de empresas em eleições a despeito do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade que a Ordem dos Advogados do Brasil impetrou no Supremo Tribunal Federal.
Sul21: Hoje já existe o financiamento de empresas para campanhas eleitorais. O que muda com a proposta de constitucionalizar essa prática?
Henrique Fontana: Essa pergunta me permite um esclarecimento muito importante. Uma boa parte da sociedade brasileira tem dificuldade de compreender o que está envolvido aí, pois passa por uma disputa política sofisticada onde há muita tentativa de iludir a compreensão da opinião pública. O Brasil tem eleições há décadas e, infelizmente, na minha opinião, são eleições com financiamento empresarial e um financiamento muito pesado para campanhas cada vez mais caras, cujas consequências estamos todos assistindo hoje. Até hoje, as campanhas foram feitas com financiamento empresarial com base numa lei infraconstitucional. Essa prática nunca esteve na Constituição nem deve ir para a Constituição.
O financiamento eleitoral, aliás, não deve ir para a Constituição. Seja o financiamento que eu defendo, limitado a pessoas físicas, com teto e campanhas mais baratas, seja o financiamento defendido pelo Eduardo Cunha, com dinheiro de empresas e campanhas caras, isso pode ser definido numa lei infraconstitucional. Por que surgiu essa obsessão do presidente em aprovar uma emenda constitucional para garantir um suposto direito constitucional das empresas financiarem eleições? Seria quase uma piada se não fosse tão sério o impacto que isso pode ter para a democracia do país. Ele quer elevar à estatura de direito constitucional o direito das empresas contribuírem para as eleições. E quer fazer isso por que a OAB entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STH há cerca de três anos que considera algumas cláusulas pétreas da Constituição brasileira, como a igualdade no processo democrático e a ideia de que a cada cidadão corresponde um voto. O uso e o abuso do poder econômico por parte das empresas distorce o processo eleitoral e fere cláusulas pétreas da Constituição.
Já há seis votos do Supremo favoráveis à ação da OAB. A votação só não foi concluída porque o ministro Gilmar Mendes está deliberadamente impedindo a conclusão do julgamento. Na minha avaliação, houve um acordo tácito entre eles, uma combinação para que ele não conclua o julgamento enquanto o Eduardo Cunha não conseguir aprovar uma emenda constitucional sobre o financiamento empresarial. Se ele conseguir aprovar esse tema, alguns juristas avaliam que isso inviabilizaria a ação da OAB no STF. Então, estamos a um passo de retirar o financiamento empresarial através da ADIN, o que explica essa correria e essa obsessão de Eduardo Cunha.
“Esta semana chegamos a uma situação gravíssima, onde a Constituição brasileira foi desrespeitada pelo presidente da Câmara, que promoveu um golpe”. (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)
Sul21: O que ocorreu exatamente na votação do financiamento empresarial?
Henrique Fontana: Esta semana chegamos a uma situação gravíssima, onde a Constituição brasileira foi desrespeitada pelo presidente da Câmara, que promoveu um golpe. Na terça-feira à noite aqueles que, como eu, defendem que o financiamento empresarial não deve ser constitucionalizado ganhamos a eleição. Após perder a votação na terça, na quarta de manhã inventou uma manobra, um verdadeiro golpe, e recolocou em votação a mesma matéria retirando apenas a palavra “candidatos” do texto da proposta, como se fosse algo diferente.
Sul21: E o que aconteceu do dia para a noite para alterar o resultado da votação sobre esse tema?
Henrique Fontana: Nestas 24 horas, além deste golpe regimental que afrontou a Constituição, ocorreram muitas outras coisas, entre elas, uma enorme chantagem do presidente da Casa especialmente sobre partidos pequenos, que foram ameaçados. Se eles não votassem a favor do financiamento empresarial, seriam retaliados na votação da cláusula de barreira e na legislação sobre coligações. Não estou dizendo que todos os votos que mudaram de lado tenham esse componente, mas é público e notório na Câmara o nível de chantagem que o presidente exerceu.
Sul21: Como é possível, na sua opinião, enfrentar esse tipo de prática?
Henrique Fontana: Pesquisas indicam que cerca de 80% da população apoiam a ideia de que empresas não devem mais financiar campanhas eleitorais. Eu entendo que nós não devemos diminuir o ritmo da nossa luta. Entramos com um mandado de segurança no STF para anular essa votação que foi absolutamente ilegal. Mais de 60 deputados assinam esse mandado de segurança que está baseado no questionamento do que diz o parágrafo quinto do artigo 60 da Constituição, a saber, que não é possível votar um mesmo conteúdo de emenda constitucional numa mesma sessão legislativa, que corresponde a um ano de trabalho legislativo. Ou seja, esse assunto só poderia voltar para a pauta no ano que vem. Vamos aguardar a resposta do Supremo.
Outra coisa importante é que ainda há o segundo turno dessa votação. A minha expectativa é que haja uma grande mobilização nas redes sociais e na sociedade como um todo. Nós temos, no mínimo, vinte dias até o segundo turno. E temos aliados importantes que vão estar ao nosso lado tentando sensibilizar e mudar o voto de deputados que neste primeiro turno votaram a favor da contribuição empresarial. Temos a CNBB, a OAB, a CUT, a CTB e outras centrais sindicais, a UNE, entre outras entidades, além de 80% da opinião pública do país. Foram 330 votos que Eduardo Cunha teve nesta votação pós-golpe. Se 23 desses votos mudarem, ele já perde os 308 que precisa. Se a opinião pública do país se mobilizar, acredito que podemos ter um movimento similar ao que ocorreu contra o projeto de terceirização. Isso pode alterar o resultado da votação nestes 20 dias.
Sul21: E após segundo turno na Câmara ainda vai para o Senado…
Henrique Fontana: Sim, tem dois turnos no Senado. Há várias instâncias a percorrer ainda. A decisão sobre esse tema do financiamento empresarial para campanhas eleitorais tem uma frente de batalha no Supremo, outra no segundo turno da Câmara, outras duas nos dois turnos de votação no Senado e ainda tem a lei infraconstitucional. Tudo isso vai representar, no mínimo, 90 dias de batalha. Supondo que a posição de Eduardo Cunha seja vitoriosa, após todas essas instâncias, podemos colocar limites na lei infraconstitucional, definindo critérios rígidos para o tipo de empresas que pode fazer doações. É claro que é preciso ter votos para isso e é uma situação política mais difícil pois exige apenas maioria simples nas votações. Mas podemos disputar uma série de restrições como vetar a possibilidade de doações para empresas que têm financiamentos junto a bancos públicos, que usufruem de isenção tributária, que vendem serviços e obras para o poder público, entre outras.
“O grande problema da democracia brasileira é o abuso do poder econômico. A principal medida estrutural para enfrentar esse problema é proibir o financiamento empresarial para campanhas”. (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)
Sul21: A essa altura dos acontecimentos, esse debate sobre o financiamento empresarial tornou-se o tema central da Reforma Política?
Henrique Fontana: De longe, na minha opinião. Por mais que tenhamos outras mudanças a serem feitas no sistema político brasileiro, elas se tornam absolutamente secundárias em relação a esta. O grande problema da democracia brasileira é o abuso do poder econômico. A principal medida estrutural para enfrentar esse problema é proibir o financiamento empresarial para campanhas, como já fazem outros 40 países no mundo. Neste momento, também como consequência de um grande processo de corrupção e tráfico de influências que está sendo investigado, esse tema se torna cada vez mais central. A presidenta do Chile, Michelle Bachelet, também está encaminhando ao parlamento do país projeto de lei neste sentido. A Espanha também vai neste caminho.
Isso é o essencial. Infelizmente, as outras coisas importantes, como um sistema eleitoral melhor, estão inviabilizadas pela forma autoritária e truculenta com que o presidente da Casa está atuando na condução dessa reforma. Ele tentou patrolar o parlamento com a obsessão de aprovar o distritão, perdeu a votação e isso inviabilizou uma negociação que possibilidade alguma mudança no sistema eleitoral. Eu, por exemplo, tenho abertura para discutir um sistema distrital misto 100% proporcional, nos moldes do sistema alemão. Ou debater o sistema proposto pela OAB, que é um sistema de votação proporcional em dois turnos. No primeiro turno, o cidadão escolhe o projeto em que ele quer votar e no segundo escolhe o candidato que ele quer que represente esse programa conforme o número de vagas conquistadas.
Sul21: Na votação do distritão, teria ocorrido uma negociação de Eduardo Cunha com os pequenos partidos em torno do tema da cláusula de barreira. O que essa negociação envolveu exatamente? Como funcionaria a cláusula de barreira num modelo como o do distritão que transforma as eleições proporcionais em majoritárias?
Henrique Fontana: Com o distritão, o compromisso dos candidatos com os partidos seria próximo do zero. Seria uma máquina para destruir o tecido partidário brasileiro que já está bastante deteriorado. Não há democracia do mundo que tenham melhorado sem o fortalecimento e a qualificação dos partidos. Como funcionaria a cláusula de barreira num modelo como o distritão? Fixando, por exemplo, que o partido que não obtém pelo menos 2% dos votos do país está fora do jogo político. Os votos conquistados pelos candidatos individualmente contariam para efeito de atingir esse índice de cláusula de barreira. A negociação que Eduardo Cunha fez com os partidos menores, que eu prefiro chamar de chantagem, envolvia a cláusula e barreira e as coligações na proporcional. Nós, do PT, que temos posição favorável ao fim das coligações na eleição proporcional, aceitamos negociar esse ponto para manter o voto de partidos pequenos contra o distritão.
Sul21: Essa última semana, apesar dos atropelos e da manobra em torno da votação do financiamento empresarial, trouxe duas derrotas para Eduardo Cunha, o que não havia acontecido até então. Há quem atribua essas derrotas ao estilo truculento e autoritário do presidente da Câmara? Passa por aí mesmo?
“Eduardo Cunha continua com muita força no Parlamento mas, sem dúvida nenhuma, essas derrotas foram muito significativas”. (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)
Henrique Fontana: É preciso ter bastante cuidado para não precipitar uma análise que aponte que Eduardo Cunha esteja numa curva descendente, sem possibilidade de recuperação. É o contrário. Na verdade, ele continua com muita força no Parlamento mas, sem dúvida nenhuma, essas derrotas foram muito significativas. O nível de arrogância e autoritarismo dele é um dos elementos centrais que ajuda a explicar essas primeiras derrotas. Ele jamais esperava ser derrotado nestas duas votações. Cantava em prosa e verso dentro do Parlamento, em conversas reservadas, que aprovaria o distritão e o financiamento empresarial. Perdeu as duas e aplicou um golpe para recuperar a segunda. O que ocorreu nesta última semana mostrou que a sociedade e os setores dentro do Parlamento que pensam diferente têm condições de mostrar, passo a passo, quem é o Eduardo Cunha e os riscos que a direção e o estilo que ele imprime na Câmara trazem à democracia e ao conjunto da sociedade.
Isso vem ocorrendo também em torno dos temas da redução da maioridade penal, do respeito à diversidade de opções sexuais, do estatuto do desarmamento. Os setores que trabalham diretamente com esses temas estão intensificando sua mobilização, o que é muito positivo para o país. Se não tivermos uma mobilização forte da sociedade e de partidos políticos para colocar um freio às posições e práticas de Eduardo Cunha, os riscos que o Brasil corre são muito grandes.
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Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)
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