Luciano Velleda
Enquanto os efeitos econômicos da pandemia do novo coronavírus já são sentidos nas finanças do governo do Estado, a ponto de o governador Eduardo Leite (PSDB) concordar em congelar o salário dos servidores públicos em troca da ajuda financeira aprovada no Congresso, o Rio Grande do Sul há anos tem aberto mão de bilhões de reais em forma de desonerações fiscais. O tema é polêmico e cercado de sigilo.
Segundo a Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz), o Estado deixou de arrecadar R$ 9,7 bilhões de ICMS em 2018. O governo explica que esse valor inclui “benefícios de natureza meramente operacional” e que, embora sejam considerados nas estimativas, “não representam efetivamente uma renúncia fiscal”. De acordo com o governo estadual, dos R$ 9,7 bilhões que o Rio Grande do Sul deixou de arrecadar em impostos em 2018, cerca de R$ 3 bilhões são em crédito presumido, considerado o principal instrumentos de incentivo econômico concedido às empresas.
Em setembro do ano passado, o governo de Eduardo Leite (PSDB) entregou ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) os dados dos benefícios fiscais desde 2014, incluindo a lista das empresas beneficiadas. As informações entregues contêm o total de benefícios concedidos a cada ano, incluindo isenções, reduções de base de cálculo e créditos presumidos.
“Os benefícios fiscais garantem a manutenção e instalação de empresas no Estado de acordo com políticas públicas constituídas ao longo dos anos para o desenvolvimento econômico. Em consonância com essas políticas de incentivo, a Secretaria da Fazenda está avaliando os benefícios fiscais do ponto de vista do impacto econômico”, explicou, na ocasião, o secretário da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso. Porém, devido ao artigo 198 do Código Tributário Nacional, os dados entregues ao TCE estão protegidos por sigilo fiscal.
“Não temos acesso aos dados, só o Tribunal de Contas tem. Isso é um absurdo. Infelizmente, a Justiça segue reconhecendo esse sigilo”, critica a deputada estadual Luciana Genro (Psol). “É um absurdo alegar sigilo fiscal sobre dinheiro público, não tem que ter sigilo. Não conseguimos fiscalizar nem o cumprimento das contrapartidas que as empresas devem dar”, afirma.
A deputada é autora do Projeto de Lei 36/19, que cria critérios para concessão e manutenção de benefícios fiscais no Estado. O projeto propõe a proibição de concessão e manutenção de qualquer tipo de benefício fiscal às empresas devedoras de impostos ao Estado, e que não tenham cumprido as contrapartidas estipuladas pelo benefício. O projeto ainda prevê que o Estado divulgue a lista de empresas beneficiadas, o tipo e os valores do benefício, a estimativa de renúncia fiscal prevista, as contrapartidas previstas e executadas pela empresa beneficiadas, além do prazo do benefício e o número de renovações.
“Não é possível que a sociedade não tenha acesso a informações a respeito de quem, quanto, e de que forma, seu dinheiro está sendo utilizado. É mais do que hora de enfrentarmos este debate sobre o suposto sigilo fiscal nestes casos. Não são dados fiscais das empresas que serão abertos, e sim dados sobre um dinheiro que é público”, argumenta a deputada na justificativa do projeto. Apresentado em 2019, o PL 36/19 recebeu parecer contrário do relator, deputado Luiz Henrique Viana (MDB), na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa. O parecer ainda não foi votado.
Ainda em 2019, Luciana Genro apresentou o Projeto de Lei 45/19, cujo objetivo é impedir a concessão de desonerações fiscais a empresas enquanto existir déficit fiscal nas contas do Estado. “A renúncia fiscal, quando aplicada com responsabilidade, é um instrumento que busca desenvolver economicamente certos setores de atividade. No entanto, quando adentramos em um cenário de profunda crise fiscal, em que os recursos são insuficientes para suprir até as demandas mais básicas da população, precisamos ser mais seletivos, seja nas renúncias de despesa ou nos cortes de gastos”, explica a deputada do Psol na apresentação do projeto. O PL aguarda parecer da deputada Fran Somensi (Republicanos) na CCJ.
Segundo Luciana Genro, a decisão do governador Eduardo Leite (PSDB) em aceitar congelar o salário dos servidores públicos estaduais como contrapartida para receber o auxílio emergencial do governo federal irá penalizar trabalhadores que já estão “em penúria e há anos sem reajuste”. A deputada considera que falta ao governador enfrentar o tema das desonerações fiscais, principalmente ao se discutir como ficarão as finanças do Estado com a perda de arrecadação no pós-pandemia.
Guerra fiscal
Líder da bancada do PT na Assembleia Legislativa, o deputado Luiz Fernando Mainardi diz não se surpreender com a aceitação do governador em congelar salários dos servidores até 2021. Para o parlamentar, a política econômica aplicada pelo ministro da Fazenda, Paulo Guedes, é a mesma defendida por Eduardo Leite. “Eles não têm nenhuma diferença, há uma adesão completa e isso é mais uma demonstração disso”, afirma.
Mainardi pondera não ser contra estímulos fiscais e avalia que desonerações podem ser feitas para ajudar determinados setores econômicos ou regiões. Porém, para ele, não é esse o conceito que predomina no Brasil e no Rio Grande do Sul, onde os benefícios acabam sendo concedidos para grandes empresas, em negociações em que estados disputam entre si a atração do investimento. “A grande razão é que quem faz a guerra fiscal são as grandes empresas. Pequenas empresas não promovem guerra fiscal”, destaca.
Sobre o sigilo das desonerações, Mainardi (PT) também defende a transparência dos dados. “Tem que ser de conhecimento de todos. As desonerações escondidas carregam a vergonha de não contar a verdade entre os estados e entre as empresas do mesmo setor, por isso se esconde. Sigilo pra quê? É sigilo com dinheiro público, é inaceitável isso.”
Ao projetar a falta de recursos no pós-pandemia, o deputado petista avalia como limitada a capacidade do governo estadual em induzir o crescimento econômico. Para ele, o principal caminho deve ser no plano federal, com uma reforma tributária, tema que, avalia, o governador gaúcho não se empenha em cobrar. “Se terminar com a guerra fiscal, termina com o problema”, afirma Mainardi.
Agora, em meio à crise do novo coronavírus, Mainardi defende que o governo do Estado crie um programa de renda mínima que seja complementar ao programa federal, para evitar que mais pessoas passem fome. Já para o pós-pandemia, ele acredita que haverá outro comportamento sobre temas sociais e econômicos, e enfatiza a urgência de uma distribuição mais justa da riqueza. “O motor da economia é o consumo, e quem consome é a população assalariada, com renda.”
Impacto da pandemia nas finanças
Em meio a grave crise de saúde, a arrecadação de impostos no Rio Grande do Sul caiu 14,3% em abril. O Estado fechou o mês passado com R$ 3,31 bilhões arrecadados, um total de R$ 552 milhões a menos, se comparado a abril de 2019. Segundo o governo estadual, a queda na arrecadação é consequência direta da pandemia. A crise sanitária causou variações negativas nos três principais tributos estaduais. O ICMS, o principal imposto estadual, registrou queda de 15% em abril, ficando R$ 461 milhões abaixo do arrecadado no mesmo mês em 2019, em números atualizados pelo IPCA.
Apenas dois dos 16 segmentos monitorados pela Receita Estadual tiveram crescimento em abril: o agronegócio, com aumento de 27,7%, e produtos médicos e cosméticos, com crescimento de 25,6%. Por outro lado, as principais quedas foram nos setores de calçados e vestuários (-61,5%), eletroeletrônicos e artefatos domésticos (-35,8%) e metalmecânico (-34,4%).
A expectativa do governo do Estado quanto à arrecadação no mês de maio é ainda pior. “Não é possível estimar o impacto total da pandemia, pois isso depende diretamente da evolução da crise e dos respectivos mecanismos de combate ao vírus. Para maio, entretanto, pelo acompanhamento das movimentações econômicas, estimamos uma queda de aproximadamente R$ 900 milhões frente a 2019”, disse recentemente Ricardo Neves Pereira, subsecretário da Receita Estadual.
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