BIDEN MOSTRA QUE SE PODE GOVERNAR DO CENTRO!
(Fareed Zakaria – Washington Post/O Estado de S. Paulo, 30) Se o compromisso alcançado na quarta-feira entre o líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, democrata de Nova York, e o senador Joe Manchin, democrata de Virgínia Ocidental, for aprovado, acarretará no maior investimento no combate às mudanças climáticas já realizado pelo governo federal e será o maior pacote de redução de déficit em uma década.
O acordo – obtido após a aprovação da Lei para Chips e Ciência, que prevê investimentos massivos e pesquisa de base em tecnologias cruciais – se seguiu à aprovação da primeira legislação bipartidária para controle de armas de fogo em uma geração. E isso foi precedido pela aprovação do pacote trilionário de infraestrutura, uma das promessas mais emblemáticas da campanha de Donald Trump.
CENTRISMO. No mundo atual, governar a partir do centro parece muito diferente do que foi no passado. Quando o Congresso se uniu, nas décadas de 80 e 90, para aprovar grandes pacotes bipartidários, salvando o sistema de bem-estar social, reformulando impostos, ajudando americanos com deficiências e reduzindo a poluição atmosférica, os autores dos projetos com frequência foram idolatrados pela mídia e dentro de próprios partidos.
Hoje, o mote no Congresso americano é jamais abrir concessões. Resistir ao outro partido, que não é considerado apenas oposição, mas inimigo, é uma distinção de honra. É isso que permite aos congressistas levantar financiamentos com os elementos mais radicais de cada lado do espectro. Um grande esforço bipartidário de empreender uma reforma migratória empacou no início dos anos 2000, ferozmente atacada pelos extremos de ambos os partidos.
REVOLUÇÃO. O Dream Act teve apoio dos dois dos senadores mais opostos ideologicamente, Edward Kennedy, democrata de Massachusetts, e Orrin Hatch, republicano de Utah, que também eram bons amigos.
Eles estavam entre os mais antigos membros do Senado e talvez encarnassem uma antiga maneira de governar, desalinhada em relação a tempos em transformação. A revolução Gingrich (de Newt Gingrich, republicano ex-presidente da Câmara), dos anos 90, tinha transformado o Partido Republicano e,
Os democratas têm mais chances do que os republicanos de se tornarem um grande partido guarda-chuva
posteriormente, a própria Washington. Abrir concessões era considerado se vender – ou até uma traição.
Ao tentar ressuscitar aquele antigo modelo de governo, Biden está remando contra a maré. Mas, surpreendentemente, de maneiras modestas, mas significativas, ele está vencendo. Se mais projetos de lei bipartidários forem aprovados e se os legisladores não forem punidos por cooperar através das linhas partidárias – ou forem recompensados por isso –, esse movimento poderá começar a transformar alguns motes e reduzir a toxicidade em Washington.
Para os democratas, há um real lado positivo aqui. Eles estão mais bem posicionados do que os republicanos para se tornar um grande partido guardachuva. Conforme mostrou um notável estudo Brookings, em 2020, “a vitória de Biden veio dos subúrbios”, e esses eleitores são presumivelmente mais moderados e centristas do que, digamos, a base do Partido Democrata.
LEGISLATIVO. Eleitores dos subúrbios parecem cada vez mais insatisfeitos com as posições dos republicanos sobre temas como aborto e armas de fogo. Após a Suprema Corte reverter Roe versus Wade, a disputa da eleição de meio de mandato para o Congresso deixou de favorecer os republicanos para virar, essencialmente, um empate.
Ser um grande partido guarda-chuva é difícil. Significa manter coalizões unidas, incluindo pessoas que você discorda diametralmente. Mas em um país enorme e diverso, com mais de 330 milhões de habitantes, esta é a única maneira de formar maiorias eficientes. Algumas das maiores realizações dos democratas foram alcançadas com esse espírito.
Franklin Roosevelt postergou ações sobre direitos civis para conseguir aprovar o New Deal. Lyndon Johnson convenceu o Sul segregacionista a apoiar grande parte de seus programas da Grande Sociedade.
Bill Clinton teve de governar durante a maior parte de seu mandato com um Congresso controlado pelos republicanos. E, quando Barack Obama teve maioria no Congresso, ele escolheu priorizar assistência de saúde universal em detrimento de muitas outras questões sociais, incluindo casamento entre pessoas do mesmo sexo.
CONCESSÕES. Às vezes, fazer concessões pode levar a desfechos melhores. Por exemplo, o projeto de lei sobre imigração era um plano melhor do que qualquer dos partidos poderia ter aprovado independentemente, porque ambos os lados possuíam preocupações legítimas e argumentos válidos que foram representados.
Alguns dos argumentos de Manchin no passado, de maneira similar, foram críveis. Ele argumentou, por exemplo, contra fazer os pacotes parecerem baratos, prevendo vários programas, mas os financiando apenas por um ano, na esperança de que eles sejam estendidos anualmente.
Sobre o meio ambiente, a visão dele de que não devemos parar de usar combustíveis fósseis antes de termos tecnologias verdes suficientes e em escala para substituí-los pode até servir a interesses egoístas do senador da Virgínia Ocidental, mas também resulta de uma leitura precisa do momento que vivemos atualmente. REVIRAVOLTA. Mais importante, se lembre, por favor, que Manchin representa um Estado em que Trump venceu por cerca de 40 pontos porcentuais em 2020. A surpresa é Manchin estar disposto a chegar até onde já chegou até agora. Pense nele como um teste decisivo.
Se os democratas conseguem manter Manchin do seu lado, por definição, eles estão construindo um grande guarda-chuva, com capacidade de abrigar a maioria dos americanos. |
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